tag:blogger.com,1999:blog-5729027699549729522024-03-05T19:27:41.170-03:00Sambas e anseiosminicontosCarol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.comBlogger89125tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-31743200057388243782018-04-08T08:41:00.003-03:002018-04-08T08:41:37.830-03:00Há tempos<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;">Eu poderia ter um mar inteiro em ruínas que ainda
pensaria em como é bom ter a liberdade de não ter nada para si. Estranha essa
sensação de estar em lugares que não se quer pelo simples fato de querer estar
por perto, não se deixar ir, não se deixar esquecer. Mais estranho ainda é o
pensamento de “mas: e se eu não existisse” que é latente aqui todas as vezes em
que a solidão resolve dizer um “oi, cheguei”.</span><br />
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;">Uma vida inteira dedicada aos outros. Nem assim foi o
suficiente para extrair uma resposta adequada no momento em que ele partiu para
tão longe que eu nem sei mais para onde foi. Nem quero. Bloqueio devaneios
todos os dias para não encontrá-lo nem mesmo em sonho. Há fotos registradas no
celular que insisto em manter nas lembranças como que para garantir uma
história, ainda que esquisita, do que fomos um dia para outro dia sermos mais
nada.</span><br />
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;">É um luto incômodo isso de sentir melancolia, mas
também felicidade ao perceber que não me entrelaço mais em suas pernas, nem nos
lençóis, nem nas suas camisas de time de futebol. Eu até gostava de me sentir
segura ali, mas hoje até evito ter segurança em qualquer um que atravesse meu
caminho. Penso que é trauma de me sentir parte de algo para depois descobrir
que não havia do que fazer parte.</span><br />
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;">Um dia, estive parada na esquina da sua casa, mas sem
saber como fiz para chegar ali. Disfarcei para mim mesma a saudade e toda a
falta que me fazia. Ah, isso já faz um tempo. Eu ainda era besta, de emoções
tanto inocentes. Suspirei e só assenti que havia errado o caminho para casa.
Uma confusão inteira de onde eu morava, onde queria morar naquele momento de
novo. Você nunca me serviu, nem mesmo como moradia. Eu só não sabia como chegar
a isso e lhe dizer que era isso.</span><br />
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;">Ouvi tanto que havia um futuro brilhante e que nos
esperava. O problema talvez tenha sido esse: de esperar. Aquilo de fazer a
hora: nós não tínhamos. Esperávamos tanto. Quer dizer. Eu esperava tanto. Acho
mesmo que você não esperava nada. Você só me ouvia dizer que esperava. E aí
esperava também, mas só por companhia.</span><br />
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;">Espero que tenha vendido tudo que me pertencia aí, até
aquele suspiro breve na porta do banheiro que eu dava todos os dias pela manhã.
As fotos, a bagagem, aquela almofada que servia de encosto para que eu pudesse
ler deitada de lado. Os vídeos de quinze segundos, as caretas para a comida
amarga, aquela calça que eu gostava tanto que gostei até de esquecer por aí.
Tudo num valor justo da despedida. Que não vale muito, mas o bastante.</span><br />
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;">Um mar inteiro em ruínas é justo, do tamanho de tudo
aqui em pedaços.</span>Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-79108233809522670202017-12-04T23:57:00.003-02:002017-12-05T00:07:05.786-02:00Naquela estante, daquele caminho<div style="text-align: justify;">
Você sempre quis muito mais do que havia ali, prostrado ali, sedimentado ali. Porém, uma coragem nula habitava todo o cômodo da casa na qual você insistia em permanecer, escutando coisas que nunca quis e fazendo escolhas que nunca foram de fato suas. Esperava sempre pela hora certa que nunca havia chegado até então – e, mais tarde, naquele dia ainda, você entenderia que não havia isso de hora certa, lugar certo, homem certo. Tudo que brilhava à noite pela cidade lhe causava medo, desde as sirenes até os outdoors. Os meninos jogavam bola todos os dias de tardezinha no terreno vazio que existia no bairro. Às vezes, voltando do trabalho, você os acompanhava com os olhos enquanto caminhava para casa. Até sentia vontade de parar, sentar um tanto perto – mas não muito para não levar uma bolada na testa. Sempre gostou de futebol e entendia tão bem quanto todos os machos da casa, mas acostumou-se a silenciar os gols no quarto, porque ficava constrangida com as risadas sobre o seu time. Era firme quando se tratava de escolher o melhor para todos – irmãos, primos, mãe, padrasto, avós. Todos ali amontoados num mesmo terreno, e você num mesmo cômodo que metade deles, divididos apenas por uma cortina improvisada de lençol.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A única coisa legitimamente sua, que não se dividia, que não se revezava, era uma almofada antiga, de quando você ainda tinha cinco e seus irmãos nem eram nascidos. O desenho é da sailor moon, cujo nome você só aprendeu a escrever porque o tecido escrito lhe encarava dia e noite. E ainda encara, mais desbotado, sim, sem dúvidas, mas encara. O cabelo loiro dela, os olhos azuis dela: nada em você. E a verdade é que você nem se lembra de quando foi mesmo que assistiu ao desenho, e se assistiu – porque o que importa é de quem veio o presente. A almofada, mesmo agora desgastada, habitava, durante o dia, uma estante de plástico comprada nas lojas americanas que ocupava o canto do que se podia chamar de sala. Talvez ela tivesse mais lugar na casa do que você mesma. E tudo bem, porque você acreditava – depois esqueceu, mas até ali acreditava – que as pessoas não pertencem aos espaços, que são do mundo e assim devem permanecer sendo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nunca saiu da sua própria cidade, nem mesmo para fazer seu RG. Deu sorte que, quando precisou do documento, já existia um faça fácil próximo ao terminal de ônibus, para onde você conseguia ir até mesmo caminhando – não que fosse perto, mas geralmente se ia andando. Nasceu ali, cresceu ali, arranjou um emprego no supermercado do bairro vizinho. Todo dia acordava às seis para entrar às sete e sair às oito, só que da noite. Todo mundo lá não lhe dá menos de vinte, mas você tem no registro apenas dezoito. Queria fazer pedagogia, sem entender direito o que isso queria dizer, mas queria. Ouviu uma professora, uma vez, dizer que, para dar aula que nem ela, era necessário ser formada em pedagogia. Não esqueceu, na época até anotou no caderno sem capa alegre, apenas azul com lugar para pôr o nome.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Adiou muito procurar saber sobre faculdade e essas coisas que sua mãe dizia ser para gente mais velha, que você precisava trabalhar para ter experiência de vida. Aceitou facilmente a carteira assinada que lhe entregaram junto com um cartão de vale transporte branco, vermelho e com uns desenhos em verde atrás. Às vezes, ia andando para o serviço para poder levar seu irmão pequeno no shopping de ônibus no domingo. Ele tinha um fascínio esquisito por andar de ônibus que você nunca entendeu, mas também nunca deixou de alimentá-lo. Quando chegavam lá, as vitrines eram sempre as mesmas e ele nem ligava, pois já ansioso para pegar o ônibus de volta para casa – ele gostava era do caminho.</div>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-32344672395455656172017-01-20T12:19:00.001-02:002017-01-20T12:19:29.901-02:00Dor dura nunca mais<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Eu senti e sinto: violência não é só o golpe fatal de morte, mas também não fazê-lo ou postergá-lo.</span></div>
<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Ainda me lembro como se fosse ontem ou hoje ou amanhã: me amarraram e nem eram 9 horas da noite. Fiquei moída por dentro, pareciam ter me arrancado o coração pela boca, pelo ouvido, pelos olhos - em partes líquidas. Cuspes, gritos, correntes na pele. Tudo chegava a mim como um estardalhaço, vários. Não havia condições de berro, de álibi, de réplica. Eu, ali, seminua e sendo alvejada por palavras e mãos que mais pareciam balas de metralhadora.</span></div>
<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Tudo começara quando eu menos esperara, por acaso, fim de tarde, Campo Limpo. Eu com muitos e muitas, panfletos, vidas que passavam sem reclamar ou ousar olhar em nossos olhos. É triste quando se vê vidas assim sendo arrebatas sem nenhum sintoma de resistência. Talvez eu me sentisse um tanto superior, naquele momento e no seguinte, por ser capaz de ir contra a maré, persistir nos ideais e gritar em megafones contra o golpe e todos os ais. Mas tudo que havia de maior se perdeu às 8 horas e 35 minutos daquela noite de 6 de julho detestável.</span></div>
<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Ali, eu não era mais ninguém além de quem eles queriam fazer o medo falar. Segui quieta, nem gemidos proferi. Como se fosse carne seca, morta, e talvez o fosse mesmo. Ou talvez tenha deixado emergir todas as poucas técnicas que pude aprender durante as tantas aulas de teatro que deixei de ir para manifestar em praça pública.</span></div>
<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">A tudo eu respondia com silêncio. E, como os olhos são capazes de dar informações que nem sempre conseguimos conter, permanecia de olhos fechados - apesar de profundamente querer ver a cara de cada um dos meus assassinos. Algo forte de proposital chegava aos meus ouvidos quando ouvia gritos de paredes cercadas ao lado. Certeza de que era também um método para me fazer falar, mas eu não falava. Quem me visse ali poderia jurar que eu havia nascido muda. Esperei que me tirassem os cabelos e fizessem algumas fissuras nos dedos das mãos. Havia um tonel de água e eu já sabia o que me esperava, mas permanecia forte.</span></div>
<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Não há explicação para a força que surgia a cada nascer de sol que eu não via daquela cela. De lá, não sabia de dias, meses ou anos, mas sabia que haveria um final - como seria?</span></div>
<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Nem sei ainda se viva ou morta escrevo este relato - talvez um tanto das duas coisas. Ser e estar foram as maiores ousadias que cometi durante aquele tempo e antes.</span></div>
<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">E deles eu tento me esquecer todos os dias desde que não estou mais lá. Me sinto arrasada por querer esquecer, mas igualmente por não conseguir deixar de lembrar. Foi tudo golpe. E, dentre tantos, a mim faltou o de misericórdia.</span></div>
<div style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0); color: #454545; font-family: '.SF UI Text'; font-size: 17px; line-height: normal;">
<span style="font-family: '.SFUIText'; font-size: 17pt;"></span></div>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-80122049331639533712016-03-13T17:58:00.001-03:002016-03-13T18:04:53.192-03:00translúcida<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "uictfonttextstylebody"; font-size: 16px;">Minha angústia é a lucidez. E junto com ela, talvez, a saudade. Durar além da conta só poderia dar nisso mesmo. 96 anos e 8 meses completo hoje. Já começo a regredir e contar minha idade como a de um bebê - em meses, dias, minutos, segredos. Não vejo a hora do retorno à grande placenta que é um caixão.</span></div>
<div style="font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 16px; text-align: justify;">
Não sei se escrevo corretamente e, de antemão, peço desculpa por qualquer equívoco gramatical ou ortográfico, não sei. A verdade é que, se comparada ao tempo que venho persistindo neste mundo, a escrita não faz muito que entrou em minha vida. Aprendi a ler e a escrever tardiamente, nem lembro bem o ano ou a ocasião, mas lembro bem de um caderno pequeno e bordado que foi onde comecei a desenrolar as primeiras letras.</div>
<div style="font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 16px; text-align: justify;">
Engraçado que comecei a escrever mesmo sobre a angústia, não sei se a mesma que utilizo para iniciar estas páginas, mas latente o mesmo tanto. Acho que possivelmente fui muito feliz, mas a angústia nunca saiu do meu lado, nem mesmo por um instante.</div>
<div style="font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 16px; text-align: justify;">
Neste momento, embarco em um avião e não entendo bem por que as pessoas se preocupam tanto em não levar minha opinião a sério. O avanço da idade, me parece, também é o motim para a invisibilidade.</div>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-11440123663529904402015-10-14T09:27:00.000-03:002015-10-14T22:14:17.637-03:00Quando não dizer sufoca<span style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px;">Alguns alunos naturalmente me emocionam. Acabo de me despedir de um aluno desses. Um coração bom, um sorriso puro, mas uma solidão - ou angústia - profunda que eu nem sei explicar de onde consigo captar. Mas é forte. Difícil dizer, porque ele é tão encantador. Há 4 anos, parece, permanece no primeiro ano do ensino médio. Não é um aluno incapaz, mas fica sempre abaixo das perspectivas escolares - com as quais nem sempre concordo, mas que existem e, por vezes, massacram. Talvez, tenha sido um erro da escola reprova-lo tantas vezes repetidas. Hoje, ele abandonou as aulas, mas é tão generoso e sincero que veio se despedir, avisar o que iria fazer. Não consegui dizer muito, pedi para sentar ao meu lado e me contar o porquê daquela decisão. Ele também não conseguiu dizer mais do que eu, explicou com um singelo "não tem jeito, tem que ajudar lá em casa", e eu sangrei um tanto por dentro. As oportunidades estão longe de serem iguais para todos, mas ele é o tipo de aluno que mereceria uma trégua imediata em tamanha desigualdade. Eu torço por ele demais, talvez nem saiba o quanto o carinho é imenso, mas simplesmente é. Fico pensando que as nossas mãos, enquanto professores, encontram-se tão atadas que até o choro fica preso em uma situação como esta, até parecer se preocupar não se encaixa perfeitamente. Não chorei na frente dele, mas, quando saiu, deixei meus olhos marejarem, ali mesmo em sala de aula, e eles permanecem marejados até agora, não consigo contê-los. Fiz com que ele prometesse não parar definitivamente de estudar, que ano que vem ele entra para o supletivo pelo menos - também não acho que o ensino regular lhe renda mais algum fruto. Não saí aliviada dessa despedida. Acho, inclusive, que resta mais angústia do que alívio. Não o deixo partir com serenidade. Aliás, a cada dia duvido mais da serenidade se fazer possível na vida desse tanto de meninas e meninos com quem convivo diariamente. Só me resta mesmo a resistência cotidiana, é nela que encontro um único - mas também ínfimo - apoio para suportar todas as adversidades.</span>Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-24159832362764022952015-04-22T19:20:00.002-03:002015-04-22T19:22:20.619-03:00Sobre o luto, sobre tudo.<span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">Mãe, h</span><span style="color: #222222;">oje foi um dia muito difícil para mim. Ela me buscou na escola de manhã e me levou ao velório da vó de Ana. Achei que era um pouco minha obrigação passar lá pelo menos para dar um abraço na família dela que é tão querida. Mas velórios são aquela coisa, né. Eles estavam bem, nem choravam mais, estava bem descontraído. </span><span style="color: #222222;">Mas, não sei por que, velório me faz isso de pensar em milhões de coisas. E aí fiquei tão borocoxô à tarde que uma das professoras percebeu, veio perguntar por que, e acabamos conversando sobre perda e essas coisas. </span><span style="color: #222222;">Lembrei tanto de você e de papai, quanto eu tenho medo de perder vocês, do quanto vocês são essenciais para mim. E acho que nunca disse isso para vocês com todas as palavras. Nunca fui capaz de expressar esse amor todo em palavras exatas, eu acho. </span><span style="color: #222222;">E talvez seja esse o motivo desse email. Porque não sou boa nas palavras ditas. Em compensação, em palavras escritas sempre fui boa, né. </span><span style="color: #222222;">Acho que queria dizer para vocês o quanto dependo emocionalmente desse amor. O quanto o medo da perda me angustia. Talvez, amar seja isso mesmo, temer pela dor do outro, querer o bem pleno do outro e também sua permanência, se possível eterna.</span></span><br />
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">E eu temo muito! E, talvez, cada dia mais.</span><br />
<div>
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span></div>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-41571931272142477832015-04-08T21:54:00.001-03:002015-04-08T21:54:46.282-03:00ponto e vírguladentro do de sempre, existia um sinal, tão perceptível quanto formiga miúda em piso escuro.<br />
<br />
no não querer dizer mas já ir dizendo havia um pedido; um breve olhar de canto de olho previa um turbilhão de atos subsequentes; escrever com excesso de reticências formava um traço de sua personalidade; sorrir de aflição quando era indagada sobre qualquer coisa refletia tudo que tinha aprendido enquanto criança; fechar os olhos ao ver um clarão lhe dava um ar de precaução fora do comum; viver assolada pelo querer esquecer tornava seus passos visivelmente exatos e invisivelmente incertos; chorar assistindo a um comercial de margaria emanava uma sensibilidade que desconhecia; os pulsos fechados firmemente ao pegar no lápis demonstrava uma força para além do que ali continha.<br />
<br />
achava que viver era mais sorte do que presente; insistia no vício.Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-16957840247920128682015-02-10T01:23:00.001-02:002015-02-10T01:23:13.226-02:00do ir e vir e ir de vezTentei selar a casa. Gravar tudo, um por um dos cômodos. Um filme hermético. Intocável era o clima por ali. Um adeus sufocado pelas paredes brancas - talvez nem tanto mais - e espessas. Eu gritava por dentro o que gritei por tantos meses da sala pro quarto, da cozinha pro banheiro dos fundos. Poucas coisas eu calei por ali. Quase vinte e quatro meses sendo muito de mim e bem pouco de mais ninguém. Felizes quase setecentos e trinta dias ininterruptos, por mais que fosse ausente por dois ou três noites seguidas. Da vista da janela do quarto, fotografei todos os ângulos possíveis com todos os olhares inimagináveis. Dos vizinhos, guardei as gritarias de cima, as preocupações com os de baixo, a solicitude dos da esquerda e o conservadorismo insistente da senhorinha do lado direito - e tinha de ser da direita mesmo, bem cabível -, os nomes mesmo não guardei, achei tão descartáveis que esqueci. Aliás, esqueci muitas abreviações e poucos aborrecimentos que tive ali, naqueles cento e vinte e alguns metros quadrados. Aprendi com tudo: mobília, infiltração, barata voadora, cônjuges e muita porta aberta. Meu lar, futuro lar, vai ser justinho assim composto: diverso, medroso, aconchegante e alegre. Há muito o que compor, claro, mas coisa demais já foi composta - e não será descartada, nem que eu queira, mas não quero mesmo.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisFi1VyXXvL5l2wFKGcmgQWKfSQg0a2xgtqdWauPXjFJRcJdbXa9WuW_2_8OKFhVgX88YurWPz6PXpJ9h1BD7pGnNTR1T24wgywS-_5GZ5MwLZmIRzae39PO0Um4cXpi_eSPa8T3y0E2M/s1600/IMG_0409.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisFi1VyXXvL5l2wFKGcmgQWKfSQg0a2xgtqdWauPXjFJRcJdbXa9WuW_2_8OKFhVgX88YurWPz6PXpJ9h1BD7pGnNTR1T24wgywS-_5GZ5MwLZmIRzae39PO0Um4cXpi_eSPa8T3y0E2M/s1600/IMG_0409.JPG" height="320" width="240" /></a></div>
<br />Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-21059165313191683872014-11-16T17:08:00.002-02:002014-11-16T17:08:22.906-02:00manhã de domingo<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">Ela pôs os pés para fora da cama pouco acreditando em tudo que houve, se é que houve, ontem. Olhos claros de sol e de ressaca. A cabeça mais extrema que um vulcão em erupção, mais pelo assolar dos enfadonhos acontecimentos que pelos chopps a mais que acabou tomando para tentar encontrar o botão de desligue do cérebro. Tentando caminhar até a cozinha, percebeu quanto queria se mudar daqueles cômodos, que já estava mesmo enjoada de morar por aquelas paredes en</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">cardidas e lotadas de infiltração. Alcançou a cozinha e o interfone, pediu ao porteiro que colocasse o jornal no elevador, precisava olhar os classificados sem mais demora, mesmo sendo domingo. Tudo parecia tão urgente quanto aquele amontoado de louça para lavar desde quarta-feira. Pressentiu o elevador no quinto andar e se preparou para encarar o abrir de portas, torcendo para o vizinho do sétimo não estar lá impregnado com seu jornal na mão dizendo 'não se esqueça de fazer aos cruzadas e olhar o horóscopo, são as melhores partes dos jornais de domingo'. Mais um motivo para se mudar, como se não bastassem os básicos que já havia listado mentalmente em menos de cinco minutos. Precisava se mudar, e agora era mantra que ecoava em sua cabeça que ainda latejava pelos excessos emocionais e alcoólicos da noite anterior. Precisava se mudar, mas sabia que, depois do almoço, a dispersão seria tamanha que já teria esquecido o quanto a irritava o fato do vizinho ao lado não fechar as janelas da área de serviço à noite, mesmo sabendo que era exatamente aquilo que o deixava sempre tão resfriado e tossindo por toda a noite, sem cessar.</span>Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-56435837791169488882014-06-29T00:59:00.003-03:002014-06-29T10:25:48.854-03:00truqueuma vida inteira dedicada<br />
inclinada a ser o que seria mesmo porque não tem jeito<br />
mas ela só queria bailar pelos afazeres domésticos que o caminho é<br />
<br />
ela queria ludibriar toda a sorte que insistia em lhe negar atenção<br />
cantar, ela ia cantar - pensou<br />
a estratégia fora escolhida.Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-13321112855522792392014-05-05T10:43:00.002-03:002014-05-05T10:43:34.413-03:00Vinte e cinco anos.<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;">Ela me disse que acreditava que continuar nem era escolha, já era obrigação. Me convenci, mas nem tanto, só que ficou um eco enorme na madrugada, eu pensando nisso e nela falando que fechar ciclos era só o início para uma mudança mais profunda. E eu concordei em sonhos, porque ao vivo não fui capaz de dizer sim ou não. Foi assim que pairou um talvez, com uma pitadinha de 'e se', que eu geralmente </span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;">desconsidero, mas que, naquele momento, foi providencial, eu admito. Muito pouco faltou para eu sorrir, mas o sorriso veio sim, umas cinco horas depois, quando deitei para dormir e aquele meu trajeto tão amargo se misturou com a confiança dela num caminho mais próspero e eficaz daqui pra frente. Dormi mais tranquila e, confesso, meio bêbada, mas acordei numa ressaca moral de ter colocado pingos demais nos is, tanto que agora todos os is pareciam ter tremas. Deu duas da tarde e eu só me perguntava por onde que eu devia começar a retocar uma vida inteira de mais ou menos vinte e cinco anos.</span>Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-21651678454939257292014-04-05T08:15:00.001-03:002014-05-05T10:43:47.332-03:00Com dores<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;">Das emoções de tudo, estava prostrada, tentando me reerguer de um pequeno susto do estalo do chuveiro que agora queimava sem arder toda a parede do banheiro. Eu nem queria sim nem não acreditar que o que acontecia ali era apenas uma consequência de um dia errado que não deveria nem ter tentado começar. Nada me tirava a ideia fixa de que aquela depressão matinal não me tomou à toa quando</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #37404e; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;"> o relógio despertou às sete horas da manhã, tão cedo demais para refletir sobre depressões e seus acasos.<br />Se queimar era a alternativa que me cabia naquele momento, eu pensava, que eu não corresse e nem fugisse. Há alguns dias já andava determinista o bastante para não mexer nem um dedo para me levantar dali. Morrer de fogo era um tanto sintomático, meu momento era de fato de ardência interna. Nada mais verossímil que arder de fora para dentro, num ar funebremente quente, que não deixava de ser uma forma de também calar a dor, definitivamente.</span>Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-19466954332362178912014-02-19T19:58:00.001-03:002014-02-19T19:58:59.199-03:00Melodia de arroz<p dir=ltr>Servir nunca fora seu forte, mas, por enquanto, aceitava. Se convencia, todo dia, que tudo tinha um preço, enquanto esperava pacientemente o cliente que fitava faminto as opções do cardápio.<br>
Sentou, mais uma vez, para escutar o som que vinha do lado de fora da redoma de vidro que era aquele restaurante japonês no segundo andar. Aproveitava, como agora, seu horário de lanche para escutar o que havia por ali mesmo.<br>
Decodificar o misto de barulhos que coexistiam em segundos era a parte mais fácil, difícil era pôr na partitura para mais tarde tirar no trompete. A letra só surgia ao fim de tudo, quando já sabia de cor todas as notas e, então, podia permanecer de olhos fechados enquanto dedilhava tantos sons à pino.<br>
Até suspiros ela escrevia, tornava-os pausas, cada um com seu tempo exato. Respeitava os agudos das risadas, dedicava-lhes, às vezes, estrofes completas. De todos os graves, o que mais a agradava era o passo-a-passo do segurança mais alto e mais carequinha da escala das treze às dezesseis - para ele, inclusive, já havia dedicado uma canção inteira em segredo.<br>
Musicava as tardes como costureira tecendo vestido de feitio único que, por vezes, precisa ser desfeito para mais se aproximar do croqui. E não brincava em serviço. Que o mundo, para ela, além de um moinho de ritmos, era um shopping lotado de um disco de doze faixas, das quais ela já havia composto sete.</p>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-18517372333050119212014-01-24T19:33:00.001-02:002014-01-24T19:33:30.460-02:00São domingos.<p dir=ltr>Era uma segunda tranquila, como qualquer outra terça. Acostumara a ligar o som, volume 16, tango argentino, numa belíssima despedida do final de semana, sempre tão penoso para ela. Não fora diferente, a não ser pela tranquilidade descomunal daquele sétimo andar na avenida mississipi. No tango, o mesmo pulsar que nela se aparava. Sentiu um súbito desengano com a vida, mas logo percebeu que se tratava apenas de uma falta de ar repentina. Lembrou que esquecera de comprar os remédios da asma, que já ensaiava um retorno desde sexta à noite. Ofegante, pensou que, talvez, ficar quietinha ali naquele sofá tão espaçoso pudesse ajudar. Em vão. Nenhuma farmácia ainda fazendo entregas. Como se não bastasse ser domingo.</p>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-24143352312703415292014-01-20T09:27:00.001-02:002014-01-20T09:27:23.210-02:00Retrate-se.<div dir="ltr">
Há fotografias que a gente só consegue mostrar pro escuro, era também assim com ela. De quase nenhum lugar tinha ciência, mas almejava cada canto do mundo no olhar pela lente. Era um excesso de poses, de luzes, de focos. Não parecia dar conta de um tanto tão estático que se apresentava em papel e em cores a sua frente, à meia luz, todas as noites. Mas testava... A fotografia? Nem hobby, nem profissão. Fazia escondido de tudo, porque era modismo demais, para ela, ficar publicando fotos, como se estivesse publicando um pouquinho da própria vida em redes sociais. - Tolices!, repetia. </div>
<div dir="ltr">
Um mundo inteiramente desconhecido a esperava todas as manhãs, cada vez por um caminho diferente. Gostava de arriscar novos passos, novas ruas. - Curto bastante o inesperado!, ela dizia. O que significava apenas que havia um medo denso de ir e vir pelo mesmo, encontrar o mesmo, se deparar com o mesmo. Mesmos: caminhos, pessoas, muros, grades, lojas, calçadas.</div>
<div dir="ltr">
O medo a atraia mais para o não. Negava gostar de beatles porque era por demais acessível, se gabava por gostar de jazz contemporâneo. Só não admitia ser do contra porque do contra também lhe parecia comum para ser. Mas nutria um amor imenso por paixões, seus olhos incontrolavelmente brilhavam a todo instante, sem saber que olhos que brilham são fáceis demais de se encontrar por aí.</div>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-67084129426221294552014-01-15T01:36:00.001-02:002014-01-15T01:36:24.563-02:00Butantã<p dir=ltr><i>(para Lau)</i></p>
<p dir=ltr>Para ela, parecia óbvio o quanto e como aquela rua e aquela praça a esperavam, todas as vezes. E, para elas, pouco importava se ela vinha de carro, à pé, ou se tinha perdido o ponto e descera toda aquela curva sozinha de madrugada. Se estava feliz, se gritava por dentro de raiva, ou se a cada passo ficava mais aborrecida com o término tardio daquela reunião cheia de lenga-lenga que comera mais de duas horas de seu precioso e raríssimo tempo de sono. Por incrível que pareça, rua e praça ali permaneciam inabaláveis. Eis uma belíssima vantagem do concreto.<br>
Quando ela parava no farol, pacientemente esperando por sua hora e vez de poder atravessar, punha-se a admirar os tantos ou poucos que corriam em torno da praça. Não havia muito tempo que os observava, apenas desde que se convenceu de que não ganharia o mundo - e que, talvez, até o perderia mais cedo, apesar de não parecer se importar - se corresse entre os carros para alcançar mais rápido o portão, geralmente já trancado, do seu condomínio nos fundos da rua extensa.<br>
Talvez um mês, mas desde que os observara pela primeira vez, os corredores, não conseguira mais considerar aquilo se não como um vício. Dependendo do horário, colecionava mais ou menos corpos em movimento. Alguns ela já conseguia catalogar: o moço da padaria, o vizinho de Talita, a moça do 402B... Que engraçado era contemplar cachorros esbaforidos acompanhando o ritmo de seus donos!<br>
A praça, para uma São Paulo, era estranhamente arborizada. A arquitetura incomun, com subidas e descidas, quase um circuito, uma sãosilvestrezinha de fim de tarde para os que lá corriam, com certeza. Levava um nome doce de cantora, e parecia definitivamente satisfeita com isso.<br>
A rua, uma qualquer, alguns buracos e carros estacionados. Compunha o espaço com uma calçada mal feita e três prédios idênticos. Contava ainda com uma padaria ao seu final, mas seu maior dilema por anos à fio era se decidir entre Vila Gomes e Butantã. Das escolhas que cabem a uma rua, sem dúvidas, essa era a mais difícil.<br>
Já ela era uma moça comum, professora, alunos difíceis, vida difícil, cerveja sempre que podia, otimismo aceso, feminista e de esquerda. Nada demais naquela multidão do dia a dia, era consciente também disso.<br>
Mas ela geralmente ria sozinha parada no farol, observando. Às vezes, perdia duas ou três vezes o direito de ir, observando. Um dia até pensou em fotografar, mas nenhuma fotografia seria capaz de captar tanto. Talvez um desenho em papel canson, ou nem isso. Nesse mesmo dia, sorriu satisfeita. Pensou nas tantas idas e vindas naquela rua, ora mais corridas ora mais despretensiosas. Conseguiu lembrar que, quando pela primeira vez naquele bairro, sentira uma vontade indecifrável de só ficar. E foi ficando tanto que até fincou, só não se sabe se um alicerce ou uma barraca iglu para 4 mas que, na verdade, só cabe 2, e olhe lá. De qualquer forma, continuaria ornando bem, como um eu-tu-ele do bem-me-quer: ela, rua, praça.</p>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-49872372009465809922014-01-12T19:26:00.001-02:002014-01-12T19:26:57.205-02:00Reviravolta<p dir=ltr>Ela queria passar bem longe, dar a volta, talvez até meia-volta. Voltar ao ponto em que se perdeu o encanto, talvez no momento exato do lapso, naquele em que se trincou um sentimento que já era estranho, mas ao menos era ou podia se dizer alguma coisa. Se amor, que é amor, às vezes acaba, imagina aquilo que nem amor chegara a ser...<br>
Parecia conformada com o que deixou pra trás no momento em que disse que não ao telefone. Não que premeditasse o não, mas se sentiu confortável ao dizê-lo e percebeu que até já havia passado do ponto do sim, sempre tão permissivo.<br>
Ela se arrependeria dois dias depois, estava ciente, mas ainda assim seria um arrependimento insólito, que na verdade nem quereria sentir, contudo sentiria por fazer parte de todo o ritual. Não pretendia pular etapas, cada uma delas poderia ser muito cara adiante.<br>
Estava resolvida a enfrentar, um passo de cada vez, lágrima por lágrima, que sofrimento também acaba, que paixão também cansa de se ser.</p>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-7205252892431290922014-01-08T21:29:00.003-02:002014-01-08T21:29:21.394-02:00O querer cessar!<p dir=ltr>Apara. Estanca. Espalma. Arranja um jeito de parar. Pressiona um fim intencional. Ela achava mesmo que viver era um tubo de ensaio. Vivia querendo apagar, tentar de novo, recomeçar.<br>
Explodia a cada esquina, por amor ou pavor. Que não era fácil seguir em frente, ser contínua - era o que mais repetia desde os 12 anos de idade. Colava fotos em pratos descartáveis só para distribuir pela casa, como algo colecionável.<br>
Nasceu Maria por certidão, mas se sentia mais Paula ou Fernanda, quem sabe. Vestia o que combinava com a cor dos seus olhos, mas só andava de óculos escuros. Preferia espelhos cobertos para alcançar o equilíbrio saudável dos dias. Batia palmas para acender as luzes ao abrir a porta do quarto. Mantinha as janelas abertas por detrás das cortinas fechadas para se dedicar integralmente a imaginar quais nuvens possíveis passariam pelo céu naquele instante. </p>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-66034241015932161912013-11-06T11:40:00.001-02:002013-11-06T11:40:50.369-02:00Do tempo<p dir=ltr>Parece que foi ontem, mas de fato já ia completar um mês e vinte e três dias de lugar novo. A adaptação estava no mesmo patamar do primeiro dia: nenhuma. Mais do que estar disposto, é preciso sentir gosto por estar, mas ele ainda não havia percebido isso de verdade, ou evitava perceber.<br>
Na comodidade de acreditar no efêmero, permanecia buscando cores nos prédios esguios do centro e retendo semáforos na memória para se convencer de que já era praticamente dali.<br>
Mas, se reparassem no detalhe, havia sempre um desespero imenso pelo imediato, pelo não deixar para depois, como se o próximo segundo não o pertencesse de tal forma que não pudesse confiar nele para nada além da espera. Vivia de 'sim', que 'talvez' nenhum dá conta de findar desejos ou expectativas.</p>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-90953400231817501182013-11-04T14:07:00.003-02:002013-11-04T14:31:18.212-02:00O fim da picada<p dir=ltr>Doía bastante e não estancava. Todo sangue que ali jorrava parecia vir de um lugar bem mais profundo que as veias. Na verdade, nem parecia sangue. Ninguém soube explicar.<br>
Parecia mesmo que chorava vermelho por aquele furo tão minúsculo deixado talvez por um inseto, que era a hipótese mais plausível. A cidade inteira nunca havia visto algo do tipo. E olha que história era o que não faltava naquele lugar pra lá do fim do mundo.<br>
Foi então que a dor começou a passar, apesar de o sangue permanecer fluindo, como um rio que deseja encontrar definitivamente um grande mar. Era tanta fluidez que tudo ali naquele quarto tão desbotado, tão pálido estava ficando tingido, manchado.<br>
A cada minuto se aglomerava mais e mais transeuntes. Aliás, parece que a cidade inteira se tornara transeunte naquele dia. Pareciam zumbis chamados pela vermelhidão que agora já cobria quase todo o lençol encardido daquela cama velha que, há tanto, ela já queria ter trocado.<br>
E eram tantos ali reunidos que já se fazia uma grande feira de versões: existiam várias, de todos os tipos e para todos os gostos.<br>
Já passava das dez da manhã e ninguém dali tinha se retirado, no máximo para ir até a cozinha buscar um copo d'água. A cidade havia parado. Nem o médico mais ousava tentar sanar o problema, apenas observava como um qualquer curioso pelo desfecho da cena quase cinematográfica. <br>
Ela, cansada, por um minuto por completo se desligou dali e flutuou por cima, como quem desejasse marcar cada rosto que permanecia sem sequer ousar pensar em uma solução. No segundo minuto, voltou a si num susto, por um toque no ombro. Fora o primeiro de todos que se aproximou a fim de ajudá-la, desde as sete horas da manhã.<br>
Perguntou apenas se ela preferia ficar só, para fluir em sangue em paz. Balançou a cabeça, ela, sem discernir entre sim e não. Talvez por medo, preferia que ficassem. Talvez por vergonha, preferia que fossem.<br>
Sentiu um frio denso tomar-lhe o punho, um pouco abaixo do sangramento. Quis chorar, mas, além de sangue, sentiu que também lhe faltavam lágrimas. Suspirou, simples. Quis morrer, mas ainda havia muito sangue de jorrar para alcançar lá. </p>
Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-77597436512179184282013-10-07T22:53:00.000-03:002013-10-07T22:53:52.173-03:00Pela saudadeEstava um passo a frente do que desejava. Podia sentir o descompasso. Mas a vontade de voltar nunca era suficientemente forte para levá-lo até o aeroporto. Um misto de covardia e ansiedade o fazia imóvel por longos vinte e sete minutos cada vez que esse sentimento esquisito de retorno o tomava.<br />
Vários foram os vínculos ali naquela cidade, todos não passavam de tentativas vãs de se fixar em um lugar morno que era o que representava aquele amontado de gente pelas ruas. Respirava fundo com frequência e, nem percebia, mas fechava os olhos por exatos três segundos quando tentava se convencer de que tudo aquilo era o melhor.<br />
Dos erros, vinha descalço pelo corredor. O chão não era taco, o interruptor ficava longe da porta, o descompasso era realmente imenso para quem se acostumara por tanto tempo com algo que já não era. Esquecia dos compromissos só quando queria, ou quando não queria querer. Era fácil ser estranho em meio ao silêncio do excesso.<br />
Optava pelo descanso sempre que possível, evitava cruzar a multidão senão por um bom motivo. Deitado ali, ficava, se deixassem, até uma semana. Tudo fazia um pouco parte do processo de recompassar o descompasso, mesmo que não parecendo eficaz. Tinha um medo profundo de aprisionar almas por sentimentos difíceis e indigestos. Preferia nem pensar, mas pensava.Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-52270248928822019492013-10-01T11:07:00.002-03:002013-10-01T11:07:51.911-03:00SubterfúgiosDisse estar cansada demais para discutir sobre amenidades àquela hora da madrugada, mas em pensamento desejava apenas o fim de tudo. Criara tantas amarras para fugir do que devia enfrentar que se perdera à beira de um caminho vasto e ininterrupto. Parecia esperar por cada tropeço, só que nem estava realmente preparada para tropeçar tantas vezes seguidas, sem dar tempo de respirar entre um e outro solavancos.<br />
Pela manhã, tentou não se concentrar naquela nuvem de ideias obscuras que pairavam teimosamente o teto de sua casa. Via-se em talheres e louças mas não acreditava em reflexos como algo puramente da física. Cada reflexo, para ela, era como se reter naquilo que refletia. Era como se deixasse um pedacinho de si em cada objeto em que se mirava, escapando aos poucos, fluindo mesmo sem querer.<br />
Sorriu por obrigação, como já era de costume todos os dias. Sorria para reafirmar suas intenções diárias, como um sim oculto que tende a aprisionar os demais sentimentos de não que ainda escorrem veia a dentro. Prostrava-se com muita facilidade porque acreditava que o chão frio era o que mais acalmava os ânimos e equilibrava as memórias tão repentinas que a assolavam antes mesmo das nove e meia da manhã.Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-56275573376447589482013-09-24T02:59:00.000-03:002013-09-24T02:59:52.466-03:00PassatempoSorriu e se deixou levar. Perdeu o momento do suspiro e ficou prendendo a respiração para evitar o incômodo. Afoita, estava ali prostrada tentando imaginar como seria viver numa inspiração seguida de expiração e, assim, sucessivamente, sem precisar se preocupar em contar o compasso para não perder o ar.<br />
Levantou com dificuldade e calma. De labirintite, a vida vai ficando cada vez mais fora do eixo. O desequilíbrio vai tomando, aos poucos, os espaços que vão sobrando, as beiras. E, quando se vê, não há mais espaço nem saída.<br />
Num cambalear de pernas ainda firmes, foi chegando até o banco mais próximo onde, sentada, conseguiu arrumar o cadarço e as ideias. Olhava para o céu buscando o novo momento dum suspiro. Parecia, com o nariz, caçar o ar, que estava ali estático, como uma espingarda caça uma ave de médio porte numa mata extensa e silenciosa.<br />
Sentiu apertar o peito e não de emoção. Numa força descomunal, buscava um ato de libertação. Era descoberta, mas também fuga. Era um balançar de árvores e um lacrimejar de olhos que só a faziam querer parar.Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-1703142110546033912013-09-23T18:41:00.001-03:002013-09-23T18:41:51.134-03:00PadecendoDas dores que nunca teve, estava ali, entre suas mãos, uma das que mais temia. O pavor ultrapassava qualquer medo do toque. Um horror descomedido que a fazia abafar tudo que queria escapar em vão. Padecendo ia, respirando forte, fundo, tentando se auto-julgar capaz de suportar tudo o que escorria.<br />
Não parecia querer parar, era como um exorcismo por um triz. Um bocado de brevidades que ela guardava em si agora se desmanchando num caminho incerto entre suas mãos e o sofá já antes amarelado.<br />
Por mais que segurasse, aumentava, dilacerando veias e sentimentos hostis, dentre outros vários que permaneciam. De chorar, se cansara. Nenhuma lágrima conseguiria dar vazão àquela vastidão de gotas estranhamente inesgotáveis que perpendiculavam agora já também dos seus cotovelos.<br />
Era um incessar quase que grotesco, que, além de espanto, gerava um alívio sinistramente contagiante que ela ia transmitindo pro sofá velho, pro tapete empoeirado, pros tacos mal encerados.<br />
Tudo se resumia a um corte, nem tão grande nem tão profundo. Um corte que dividia ali o nefasto da leveza. Se não fosse pelo desmaio, sentiria mais.<br />
Acordara no mesmo lugar, na mesma posição. Esforçosamente lembrou que, pr'além das dores possíveis, a solidão era o que mais lhe apunhalava.Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-572902769954972952.post-87497066669344306282013-09-22T22:38:00.000-03:002013-09-22T22:39:37.226-03:00Sobre o deixar.Precipitou e disse que iria ficar mais uma noite, mesmo que no sofá. Um vazio mais insistente do que aquela dor na coluna que vivia de doer mesmo depois de três dipironas seguidos.<br />
Tentava forçar a cabeça contra o travesseiro para esquecer. Em menos de duas horas, seria quinta e a quarta vez que resolveria ir embora sem ir. Difícil mesmo liberar qualquer coisa que se tem por assim dizer, de dentro pra fora. Querer ir não parecia o suficiente para ir de fato, e isso já a transtornava havia meses.<br />
Estava se acostumando ao sofá, à sala de estar e até mesmo àquela mesa de centro em que diariamente topava com o pé. Talvez um sinal de desequilíbrio, mas interpretava como distração por parecer mais óbvio.<br />
Num misto de medo entre entregar as chaves e caminhar até a rodoviária, sentou para pensar numa alternativa que não envolvesse mudança. Mas era tão complicado pensar antes mesmo de tomar uma xícara de café que momentaneamente desistiu.Carol Ornellashttp://www.blogger.com/profile/03788001824659825219noreply@blogger.com1