sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Sobre o mar.

Bem que podia ser tudo, qualquer transmissão, mas decidiu ser mar, e só. E ficou sendo, porque ser mar (e só) não é lá uma das coisas mais fáceis nessa vida. Deitou-se farta, à beira-rio, parecendo que namorava, olhando o reflexo de água em água, sentindo a diferença em ser sal, em ser pedra de areia. Ser rio também tinha muitas vantagens, mas ser mar era ser feroz e sereno num mesmo momento para momentos distintos. Ao encarar o rio em toda sua imensidão e sua candura doce, determinou ainda mais o prosseguir. Era mar que seria, era mar que fincaria.
E desde mar, de tanto mar, afogou-se mágoa. De tanto amar, buscar o tênue, a linha curva, as ondas sonoras, foi ficando em si e só. E si e só sufoca, sem dó. Parecia ser ontem a travessia de só si para si só. Sempre achou que conseguiria ir, navegando tantas águas, numa imensidão tão permanentemente incompleta, intensamente complexa. Errou em não perceber que estava por ir a ir, sem eira nem beira de estrada mansa. Sem margens se encontrou, engolindo sem parar areias, conchas e pedregulhos. As algas até corriam na contramão do embalo de suas ondas, que já nem eram tão ondas como no começo.
Determinou partir, e partir também não é lá uma das coisas mais fáceis da vida, ainda mais quando se percebe o perder, o deixar pra trás. Ninguém pretende deixar passar, como água nos dedos, algo que planejou de vida, de permanecência, de escudo pro que fosse-pra-vir. Mas era isso e pronto, decidido. Tinha que desprender da superfície, afundar para os corais e, assim, ressurgir possível um dia, no dia da redenção. E render é como pedir o fim aos poucos, um arrego polido.
Não reteve o mar, era o que pensava. Mas o mar sempre deixa algo de si no só, encharca de algo-bom o que parecia livre de bondade. Por fim, descobriu: o bom do mar era isso: por mais que ela tentasse deixá-lo ser sem si, ele insistia sempre em ser não só, mas si com si, permanecendo o que sempre foi: um só.

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