terça-feira, 31 de julho de 2012

Sobre as cores.

Num desenho pálido, ela tentava expressar tudo que a fazia sentir tanta azia naquele momento tão infeliz que insistia em permanecer grudado em seu calcanhar. Gostava tanto do colorido que era, então, machucada profundamente por cada segundo em que não conseguia encontrar seus lápis. Nem os pincéis estavam, parecia que qualquer procura seria inútil. Havia sumido, tudo, tudo que poderia ter alguma cor em seu apartamento.
A parede, que era rosa, agora apresentava um branco chato que mais parecia dizer-lhe que não. Os talheres, todos com detalhes mínimos desenhados, no instante-aquele não refletiam mais do que ela mesma. E ela mesma parecia opaca, e talvez fosse mesmo, sem todas as cores que carecia.
Pegou o telefone com urgência, aquilo era um caso de polícia. Tinham lhe sequestrado o arco-íris da vida, tinham simplesmente acabado com a esperança de se viver-sorrindo que as cores nos quatro cantos de seu apartamento lhe transmitiam. Da delegacia, depois de três tentativas em vão, disseram-lhe que para fazer o B.O.  só depois de 48 horas de desaparecimento.
Sentiu-se aflita e com vontade de espirrar. Desligou. Espirrou. Disse para si mesma que não poderia continuar ali. Procurou por suas chaves e tudo o que via era uma ausência de cor tamanha, de corroer a visão, de doer de dentro pra fora, como uma síndrome. Achou as chaves.
Desceu e passou pela portaria. Seu Zé lhe disse um bom dia que ela nem ouvira, tão grande era sua euforia matinal por conta dos acontecimentos. Colocou, ofegante, os pés na rua e os olhos no céu. Precisava de cor para respirar. O céu era cinza naquela manhã. E um mas ficou entalado em sua garganta para mais tarde.
Resolveu caminhar, ainda que no nublado, para colecionar cores, fazer uma nova paleta de vida pelas ruas da cidade. Tudo era morno, razoável, satisfatório. Precisava de um sensacional, um ótimo pra ser feliz de lá pra cá. E nada. Em troca, recebia um bom dia automático da atendente da padaria. Pediu pães, pães frescos, mas os que tinham eram dormidos. Num ato ligeiro, beliscou-se. Só podia estar sonhando. Pesadelo. Dos terríveis. Mas não.
Olhou para a moça como quem olha para um doente terminal. Disse um obrigada, também automático, e deu-lhe as costas. Não sentia alegria e nem tristeza, estava branda. Sentou-se no banco da praça. Até os pombos mesclavam tons de cinza em sua homenagem. Inacreditável. Os velhinhos jogando xadrez, todos em casacos pálidos. O tabuleiro: preto e branco. As peças: pretas e brancas. Tudo, mesclado, tornava-se cinza.
Ela, apática, quis chorar. Não conseguiu. Faltou-lhe lágrimas e qualquer outra expressão que não aquele olhar normal. Tudo normal. Ela sofria, mas seu corpo, não. Logo ela que nunca gostou do meio-termo. Seu refúgio sempre fora as cores. E agora, sem elas, estava só. No dia em que a vida inteira amornou.

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