quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

No ralo.

Ficou olhando fixamente para a água escorrendo por aquele buraco tão redondo que parecia lhe sugar a vida em um suspiro. Tentou desligar, desatar seus olhos dali, em vão. Quanto mais a água, em espiral, caia por aquele indizível negro, mais ela, a moça, se detinha ao que ainda tinha de vir, da torneira e do futuro em segundos.
Difícil mesmo era abrir a porta, semi-trancada, como quem quer ir e ficar, ao mesmo tempo, com um pé lá e e outro cá, de propósito ou de deixar, que as coisas, parece, acontecem numa linha de decorrer infinitamente incalculável. Apreensiva, olhou o lustre daquele banheiro nem limpo, nem sujo. Se indagou, por alguns segundos, ali inerte, se estava de fato acordada. Essas coisas de sonambular por aí parece cena de filme, mas é possível. Ela sabia, e praticava, geralmente em noites de outono, que era para andar na rua sem ninguém por perto, nem perguntas sobre destinos, rotas ou retornos.
Era mais que uma moça estudiosa, acreditava. Mesmo sem passar dos nove-e-meio, por atraso ou por entrave criativo. Diariamente, era convencida, no café da manhã, de que auto-estima ela tinha (sim, senhor!), o que lhe faltava era ousadia. Passos largos muito não adiantam quando, mau calculados, lhe fazem pisar em poças d'água, que nunca são apenas d'água, que com lama ou estruturas falsas.
O ralo lhe afligia, asfixiava. Naquela manhã, tão menos cinza que a anterior, escolhera um bom conjunto de ginástica decidida a correr no parque. - Só vou lavar o rosto e, em dois minutos, estarei pronta!
Nunca esteve pronta, pra nada, por nada. Sempre quis, mas o acaso, um brincalhão, nunca esperou seu ponto certo, ou cego, afinal. Não que precisasse, porque quase, quase tudo havia ocorrido bem até ali. E quando digo "bem" quero dizer "com sucesso", que "com satisfação" já é querer demais.
Foi acostumada a acreditar em si, e só. Num lá, apenas de vez em quando, e quando quando. Sem ré, nem dó, muito menos mi, que é , de todos, o mais perverso.
Tentou disfarçar no espelho aquela angústia matinal indevida, mas espelhos nunca foram muito de mascarar nem olheiras, quanto mais angústias. Desistiu, que se fosse boa com disfarces teria feito vestibular pra artes cênicas ou, quem sabe, pelo menos, teria ganho uma partida sequer de detetive quando criança.
O ralo permanecia sugando... Pensou que bem podia aproveitar para jogar ali aquela agonia de uma vez. Mas nunca foi papel de ralo sugar agonias, nem mesmo muito bem misturadas com cabelos ou pasta de dente.
Quis chorar, mas aquele barulho de água caindo, insistentemente, só fazia lembrar de que, no quarto, havia deixado esparramado na cama alguns sonhos e até mesmo algumas lembranças tolas que viviam a atormentá-la há semanas. Fechou a torneira, como um átono, abriu a porta num tino e em pânico, como se lhe faltasse algo essencial, como um bocejar, ou ainda um banho quente para despertar de vez.

(continua...)

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