Eu poderia ter um mar inteiro em ruínas que ainda
pensaria em como é bom ter a liberdade de não ter nada para si. Estranha essa
sensação de estar em lugares que não se quer pelo simples fato de querer estar
por perto, não se deixar ir, não se deixar esquecer. Mais estranho ainda é o
pensamento de “mas: e se eu não existisse” que é latente aqui todas as vezes em
que a solidão resolve dizer um “oi, cheguei”.
Uma vida inteira dedicada aos outros. Nem assim foi o
suficiente para extrair uma resposta adequada no momento em que ele partiu para
tão longe que eu nem sei mais para onde foi. Nem quero. Bloqueio devaneios
todos os dias para não encontrá-lo nem mesmo em sonho. Há fotos registradas no
celular que insisto em manter nas lembranças como que para garantir uma
história, ainda que esquisita, do que fomos um dia para outro dia sermos mais
nada.
É um luto incômodo isso de sentir melancolia, mas
também felicidade ao perceber que não me entrelaço mais em suas pernas, nem nos
lençóis, nem nas suas camisas de time de futebol. Eu até gostava de me sentir
segura ali, mas hoje até evito ter segurança em qualquer um que atravesse meu
caminho. Penso que é trauma de me sentir parte de algo para depois descobrir
que não havia do que fazer parte.
Um dia, estive parada na esquina da sua casa, mas sem
saber como fiz para chegar ali. Disfarcei para mim mesma a saudade e toda a
falta que me fazia. Ah, isso já faz um tempo. Eu ainda era besta, de emoções
tanto inocentes. Suspirei e só assenti que havia errado o caminho para casa.
Uma confusão inteira de onde eu morava, onde queria morar naquele momento de
novo. Você nunca me serviu, nem mesmo como moradia. Eu só não sabia como chegar
a isso e lhe dizer que era isso.
Ouvi tanto que havia um futuro brilhante e que nos
esperava. O problema talvez tenha sido esse: de esperar. Aquilo de fazer a
hora: nós não tínhamos. Esperávamos tanto. Quer dizer. Eu esperava tanto. Acho
mesmo que você não esperava nada. Você só me ouvia dizer que esperava. E aí
esperava também, mas só por companhia.
Espero que tenha vendido tudo que me pertencia aí, até
aquele suspiro breve na porta do banheiro que eu dava todos os dias pela manhã.
As fotos, a bagagem, aquela almofada que servia de encosto para que eu pudesse
ler deitada de lado. Os vídeos de quinze segundos, as caretas para a comida
amarga, aquela calça que eu gostava tanto que gostei até de esquecer por aí.
Tudo num valor justo da despedida. Que não vale muito, mas o bastante.
Um mar inteiro em ruínas é justo, do tamanho de tudo
aqui em pedaços.
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