terça-feira, 28 de agosto de 2012

Sobre obsessão.

- Eu estou bem, obrigada!
Não queria saber de conversa, muito menos com aquele cara estranho que lhe encarava agora sem parar. Ela tinha medo, mas contido. Ele tinha curiosidade, igualmente contida.
Era um vagão de trem, quem nunca sentiu medo num vagão de trem? É um acende e apaga infinito, túneis e paisagens delirantes que se intercalam em pequenos ou médios ou imensos intervalos. É, de fato, assustador. Tremendamente instável e inconcluso. Quando se acostuma com o claro, vem o escuro. Quando se acostuma com o escuro, vem a tal luz no fim do túnel. Não é fácil viver assim, mesmo que por míseros quarenta e cinco minutos, que era o tempo da trajetória dela de casa até a estação mais próxima ao seu trabalho.
Esquecera do escuro-claro por conta da figura daquele homem que, incessantemente, fazia-se presente em seu campo de visão, por mais que tentasse evitar. Ela, então, lamentou a falta de janelas abertas no vagão, um suicídio, talvez, fosse mais apaziguador naquele momento. Suicídios aparecem como possibilidade quando menos esperamos.
Ele não sabia o que prendia seu olhar àquela moça tão pálida e tão convidativa. Talvez só quisesse conversar, perguntar sobre a vida. Mas não parecia haver brecha. E algo continuava a chamá-lo pra perto...
Enfim, a estação dela. Ao se levantar, ele veio atrás. Ela, apreensiva por completo, voltou a se sentar, fingiu que tinha se equivocado. Ele: manteve-se colado à porta, sem descer nem permanecer, como se esperasse qualquer movimento inesperado de fuga partindo da tal moça.
Ela, que não sabia o que fazer, sacou um livro da bolsa. Ele, num repente, pensou que pudesse ser algum tipo de arma, alguma defesa dela contra ele. Só então percebeu o quanto estava sendo inconveniente.
Resolveu parar, mas não conseguia. Voltou a se sentar, disse para si mesmo que não precisava daquilo, já era apaixonado um tanto pela sua namorada. E nem era isso. E nem era nada. Ou era. Não podia compreender.  Ele, obcecado, não conseguia parar. E, a partir de um instante, passou a nem tentar mais se conter.
Ela, a cada minuto mais nervosa, notara que os segundos do seu relógio digital tão frágil se arrastavam mais lentamente do que de costume. Ainda faltavam três estações para chegar ao ponto final daquela linha.  Seria onde, sem saída, desembarcaria. Tinha tempo apenas para destrinchar um plano de como driblar aquele olhar tão masculino e tão opressor que recaíra sobre ela desde que entrara naquele vagão. Não conseguia se concentrar, suas mãos suavam.
Ele já se esquecera por que havia mesmo escolhido olhar para aquela menina. Para ele, não era mais que uma menina. Uma menina acuada. Ela nem bonita era, não se destacava em nada. Mas, às vezes, o que não se destaca é o que mais chama a atenção. Só observava, sem pensar em nada. Até no escuro dos túneis conseguia enxergá-la perfeitamente, de tão fixa ficara a imagem daquela moça em sua memória.
Passaram-se três estações e ela não teve uma ideia sequer. Resolveu agir de improviso. Foi se levantando na velocidade oposta a do trem em frenagem.
Ele olhou para o relógio e pensou, satisfeito, que ainda tinha tempo hábil para pegar o mesmo trem no sentido oposto e talvez perseguir mais um rosto amedrontado na multidão de outro vagão qualquer, antes de bater o cartão às oito. Parecia viciado.
Ela tinha certeza: seu coração, acelerado, determinava perigo. Pulou pra plataforma sem calcular o desnível de altura entre o vagão e o chão fixo. Caiu. Foi ao chão como quem pula de braços abertos num salto de queda livre. Estava tudo errado, mas não pensou em nada.
Logo atrás, ele estendeu a mão para ajudá-la. Ela tinha de aceitar ou seria pisoteada pelo resto de multidão que vinha por detrás daquele homem. Levantou-se apoiada pela mão dele.
- Precisa ter mais cuidado com o vão. Você se machucou?
E voltou ao início.

2 comentários:

Mari Perim disse...

"Quando se acostuma com o claro, vem o escuro. Quando se acostuma com o escuro, vem a tal luz no fim do túnel."

Coisa mais bonita, Carol. :)
Sutil, porém envolvente.

Thay disse...

Ih, Carol, já gostei, hem.
Umas bitocas.