quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Sobre o ponto.

Nada mais difícil de se alcançar do que o ponto. O ponto máximo, o ponto limite, o ponto de partida, o ponto final. - É tudo um ciclo, uma porção de ciclos! - e ela realmente acreditava. E as coisas vão, e voltam, e ficam se sim, se não, afinal não há vínculo maior do que a espera. Parece que a palidez era só um sinal de quem tem fé no retorno. Um copo d'água molha ou refresca, depende apenas da expectativa de quem espera. E ela acreditava nesse bocado de baboseiras que encontrou escrito num diário remoto da sua bisavó, de folhas amareladas, alguns mofados e muitos desejos.
Repetia para as paredes do quarto, como que para discípulos seus, que a vida é enganosa mas não há jeito de se dar laço sem colocar o dedo no meio. Laço sem dedo é nó. E nó, quanto mais aperta, menos desata. E vai apertando sem querer, que quando a gente vê, vixi!, já era mesmo, não há bem que retire, nem mal que abafe.
Gostava de se olhar no espelho e se sentir profeta, se sentia meio bisavó quando portava aquele diário tão estupendo, tão antigo entre os braços tão finos. Fazia-se forte com aquelas palavras. Era uma vida sustentada por chavões que, sem problema algum, ela saía pregando pelas praças, bares e pontos de ônibus. Já havia sido confundida com freira, evangélica e até com mórmon, mas só por pessoas que não sabiam que mórmons só podem ser quando homens - e isso era uma coisa que nunca entendia, mas também não se importava. Sua religião era um diário fino e amassado que, a cada lida, apenas suplicava para ser fechado de uma vez por todas para descansar em linhas e parágrafos, sossegado em frases maltratadas.
Quando pensava na vida, fingia que o diário era como os salmos da bíblia e folheava-o até parar em uma página qualquer, e era lá que seu dedo pontiagudo e mal-acabado indicava um dizer também qualquer, porém exato. Por crer em destino, acreditava que seu dedo mágico só escolhia as frases certas e cabíveis para cada momento. O acaso, um brincalhão, teimava em lhe dizer algo naquelas palavras, mesmo que seu dedo parasse em um "mas as rimas não cabem aqui" de menor sentido. Mas a vida já não se fazia sentido mesmo, então qualquer 'a mais a' se encaixava perfeitamente. Sentia muito esse vazio sem sentido. E, por isso, acabou anotando numa ponta de folha do diário - como uma nota de rodapé aos pensamentos da bisa - que viver e sentir não deviam ser coisas para se fazer ao mesmo tempo, não, senhor.

(continua...)

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