segunda-feira, 24 de junho de 2013

Sobre a ponta dos pés

Naquela casa tão engraçada, ela descia os vãos, e as idas e vindas das paredes pareciam apenas desníveis da realidade. Não deixava perceberem que ela só queria sorrir entre os dedos para que todos se angustiassem com aquele farfalhar sem medida e incontestável.
Ela era muito mais do que acreditavam. Era acima e abaixo de tudo o que tocava o chão ao redor dos dedos. Pé na ponta pra alcançar a prateleira mais alta e, pronto!, biscoitos em mãos. Tudo o que precisava era o que menos queria. Na vida, tende-se a esconder o que se quer entre os panos do vestido que é pra fingir que não há nada a se esconder. Como em final de festa de criança, camuflando doces e salgados por debaixo da mesa.
Em mente, só atrevia piscar bem forte como quem manda calarem-se todos para que se concentre no que realmente há de ser. Vento forte, chuva fina: tudo isso ela controlava com os olhos. Mas deixava escapar qualquer trovoada pelos ouvidos e relâmpagos pelas costelas. Era uma tempestade em si.
Mas se não fossem os ossos rígidos, parados ali, não se sabe o que seria daquela tarde de verão tão escaldante. Com força, abriu as mãos como quem chama qualquer clarão para servir. Disse que sim com a cabeça, concordando com o que viria em seguida. Veio água, veio sopro, veio tudo que devia vir para se fazer enchente.
De pouco em pouco, se daria conta que fora demais. Quando o muito extrapola qualquer coisa que se insiste em chamar de limite. Iria se cercar, então, de saltos, para mais e para menos, porque equilíbrio sempre fora requisito para qualquer solavanco.
Não quereria mais, mas ficaria, por ficar, por ser, por tudo que poderia ainda vir. Insistiria mais, mais do que possível, ao ponto de simplesmente fluir. Isolada em fluídos, só poderia se esquecer do mais para curar metade das injúrias que já ouvira por aí em todas quatorze primaveras de sol e os dez outonos de estio.

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