quarta-feira, 17 de julho de 2013

Dos ensejos

Pegou uma xícara de café segurando com as duas mãos, como quem abraçasse xícaras, talheres e pessoas por aí. Não parecia despertar, por mais que quisesse. Por isso o café. Pelo menos era o que dizia a todo mundo. Café pra despertar. Camuflando vícios. Meio forte e meio amargo, puro. O mesmo.
Para e fica olhando a vitrine, encarando bem aquele manequim despedaçado. Tudo muito pra lá de estranho naquela composição, pensou que se fosse a dona da loja nunca deixaria aquilo daquele jeito, precisava arrumar logo. Não há quem adentre a bagunças alheias sem um motivo convincentemente aparente. Não estava convencida, deixou pra lá. Vitrine não faltava naquela rua, bagunça não faltava em sua vida.
Ao final da rua, devia virar à direita, mas hesitou. Havia resolvido inconscientemente mudar de rota, as pernas já estavam em disparada descendo a ladeira que ficava à esquerda da avenida principal quando tentou compreender o que ocorria. Ausência. Não conseguia discernir para onde estava indo. Parecia um GPS humano desregulado. Ao final da descida percebeu que era apenas fuga. Tic-tac. Esgotou-se o tempo da paciência com o mesmo, ela não havia percebido ainda. Ou havia e também camuflava como os vícios. Camuflar parecia divertido, quase tão bom como café em excesso.
Respirou fundo, deu meia-volta. Olhou para o início da descia, para onde deveria voltar. De todos os momentos que já tivera de desatino, aquele era o mais oportuno. Não sabia se respirava ou sorria, cansada da descida. Por um momento se deixou estar fora. Ali mesmo, no alto do baixo, perdeu a oportunidade de não mais estar na rota. Escorreu-lhe naquele momento o ensejo da troca de espaços por sensações mais fugazes. Ela sentiu. Respirou pausado, como o médico pediu. Continuou a subir.

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