quarta-feira, 3 de julho de 2013

Sobre o improvável

Ingratidão! - pensou. Era, de fato, um cambalear de sensações. Bastante sensação de fim, de sim, de não, de mão. Nem queria pensar que ainda tinha que atravessar três quarteirões e depois um farol para chegar até o ponto de ônibus em que passava o 543 que a deixaria na porta de casa. Seus olhos piscavam como quem dizia que havia neblina demais para se enxergar mesmo que apenas dois palmos adiante.
Suspirou e disse para si mesma que seria forte. Parada ali, no fim da calçada, parecia até lúcida e sóbria para quem a fitava de longe. Só consiga lembrar dos passos se desgarrando pelo corredor afora, como desejos de ficar e tentar encontrar uma solução para remontar o desmonte ainda inacabado. A questão não era de recomeço, não havia se chegado ao marco zero para se partir novamente do início. Fincara-se no entre, que é por demais doloroso, entre o pra lá e o pra cá.
Amarelo, vermelho. Atravessou no automático a longa avenida que a separava do parque principal da cidade. Dali em diante estava sozinha, entre o prédio público e a catedral antiga. Caminhava em passos largos mas não calculados. Eram apenas espaços vencidos agora, e quanto menos esforço melhor seria - mesmo que ela ainda não conseguisse comensurar nada disso. Tão fria aquela noite, chegou a perceber apenas por três ou quatro segundos antes de mergulhar novamente no breu dos pensamentos. Afinal, quem nunca se enfiou, ao caminhar, num labirinto das reflexões inexatas? Tentava se convencer disso e se recompor parada, naquele momento, no ponto de ônibus.
Não foram muitos minutos de espera, mas o bastante para que ela tomasse a decisão. Avistou o 543, fez sinal para que o motorista parasse. Ao abrir de portas, subiu os dois degraus do ônibus, iniciando com o pé direito porque com superstição não se mexe, por mais que quisesse fazer tudo diferente e ao reverso a partir dali.

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