segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O fim da picada

Doía bastante e não estancava. Todo sangue que ali jorrava parecia vir de um lugar bem mais profundo que as veias. Na verdade, nem parecia sangue. Ninguém soube explicar.
Parecia mesmo que chorava vermelho por aquele furo tão minúsculo deixado talvez por um inseto, que era a hipótese mais plausível. A cidade inteira nunca havia visto algo do tipo. E olha que história era o que não faltava naquele lugar pra lá do fim do mundo.
Foi então que a dor começou a passar, apesar de o sangue permanecer fluindo, como um rio que deseja encontrar definitivamente um grande mar. Era tanta fluidez que tudo ali naquele quarto tão desbotado, tão pálido estava ficando tingido, manchado.
A cada minuto se aglomerava mais e mais transeuntes. Aliás, parece que a cidade inteira se tornara transeunte naquele dia. Pareciam zumbis chamados pela vermelhidão que agora já cobria quase todo o lençol encardido daquela cama velha que, há tanto, ela já queria ter trocado.
E eram tantos ali reunidos que já se fazia uma grande feira de versões: existiam várias, de todos os tipos e para todos os gostos.
Já passava das dez da manhã e ninguém dali tinha se retirado, no máximo para ir até a cozinha buscar um copo d'água. A cidade havia parado. Nem o médico mais ousava tentar sanar o problema, apenas observava como um qualquer curioso pelo desfecho da cena quase cinematográfica.
Ela, cansada, por um minuto por completo se desligou dali e flutuou por cima, como quem desejasse marcar cada rosto que permanecia sem sequer ousar pensar em uma solução. No segundo minuto, voltou a si num susto, por um toque no ombro. Fora o primeiro de todos que se aproximou a fim de ajudá-la, desde as sete horas da manhã.
Perguntou apenas se ela preferia ficar só, para fluir em sangue em paz. Balançou a cabeça, ela, sem discernir entre sim e não. Talvez por medo, preferia que ficassem. Talvez por vergonha, preferia que fossem.
Sentiu um frio denso tomar-lhe o punho, um pouco abaixo do sangramento. Quis chorar, mas, além de sangue, sentiu que também lhe faltavam lágrimas. Suspirou, simples. Quis morrer, mas ainda havia muito sangue de jorrar para alcançar lá.

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