quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Melodia de arroz

Servir nunca fora seu forte, mas, por enquanto, aceitava. Se convencia, todo dia, que tudo tinha um preço, enquanto esperava pacientemente o cliente que fitava faminto as opções do cardápio.
Sentou, mais uma vez, para escutar o som que vinha do lado de fora da redoma de vidro que era aquele restaurante japonês no segundo andar. Aproveitava, como agora, seu horário de lanche para escutar o que havia por ali mesmo.
Decodificar o misto de barulhos que coexistiam em segundos era a parte mais fácil, difícil era pôr na partitura para mais tarde tirar no trompete. A letra só surgia ao fim de tudo, quando já sabia de cor todas as notas e, então, podia permanecer de olhos fechados enquanto dedilhava tantos sons à pino.
Até suspiros ela escrevia, tornava-os pausas, cada um com seu tempo exato. Respeitava os agudos das risadas, dedicava-lhes, às vezes, estrofes completas. De todos os graves, o que mais a agradava era o passo-a-passo do segurança mais alto e mais carequinha da escala das treze às dezesseis - para ele, inclusive, já havia dedicado uma canção inteira em segredo.
Musicava as tardes como costureira tecendo vestido de feitio único que, por vezes, precisa ser desfeito para mais se aproximar do croqui. E não brincava em serviço. Que o mundo, para ela, além de um moinho de ritmos, era um shopping lotado de um disco de doze faixas, das quais ela já havia composto sete.

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